A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a obtenção de medicamentos via ação judicial tem gerado muitas dúvidas e interpretações equivocadas. Contrariamente ao que muitos pensam, ainda é possível recorrer à Justiça para obter remédios não disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), desde que sejam atendidos determinados critérios estabelecidos pelo STF. Vamos esclarecer as novas regras e desmistificar as informações que circulam nas redes sociais sobre o tema.
O que realmente mudou com a decisão do STF
O STF, em julgamento concluído em setembro, estabeleceu novos parâmetros para a concessão de medicamentos por via judicial. A decisão visa equilibrar o direito individual à saúde com a sustentabilidade do sistema público de saúde, buscando reduzir a judicialização excessiva na área da saúde.
A principal mudança é que, agora, a não inclusão de um medicamento nas listas do SUS impede, como regra geral, o fornecimento do fármaco por decisão judicial. No entanto, isso não significa uma proibição absoluta. O STF definiu critérios específicos que, se atendidos, permitem que o juiz determine o fornecimento do medicamento ao cidadão.
Os critérios estabelecidos pelo STF
Para que um medicamento não incluído no SUS possa ser obtido via ação judicial, o autor da ação deve comprovar o cumprimento de seis critérios:
- Negativa administrativa: É necessário demonstrar que houve uma negativa de fornecimento do medicamento na via administrativa pelo órgão público requerido.
- Ilegalidade ou demora na análise: Deve-se comprovar a ilegalidade no ato da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) de não incorporação do medicamento ao SUS, a ausência de pedido de incorporação ou a demora excessiva na análise do pedido.
- Impossibilidade de substituição: É preciso demonstrar que não é possível substituir o medicamento solicitado por outro que conste nas listas do SUS e nos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas.
- Eficácia comprovada: A eficácia, acurácia, efetividade e segurança do medicamento solicitado devem ser comprovadas à luz da medicina baseada em evidências.
- Imprescindibilidade do tratamento: Um laudo médico fundamentado deve comprovar que o medicamento é imprescindível para o tratamento do paciente.
- Incapacidade financeira: O paciente deve demonstrar que não tem condições financeiras de arcar com o custo do medicamento.
A importância da comprovação da incapacidade financeira
Um dos critérios mais importantes estabelecidos pelo STF é a comprovação da incapacidade financeira do paciente para custear o medicamento. Isso significa que, ao contrário do que algumas informações equivocadas sugerem, a falta de condições financeiras não impede o acesso à Justiça para obter medicamentos. Na verdade, esse é um dos requisitos necessários para que o pedido seja atendido.
Essa exigência visa garantir que os recursos públicos sejam direcionados para aqueles que realmente não têm condições de arcar com os custos do tratamento, promovendo assim uma distribuição mais justa e equitativa dos recursos da saúde.
O papel da Anvisa no processo
É importante ressaltar que o medicamento em questão deve estar registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Esse registro é fundamental para garantir a segurança e eficácia do medicamento, protegendo a saúde dos pacientes.
A decisão do STF reforça a importância do papel regulador da Anvisa, assegurando que apenas medicamentos devidamente aprovados e registrados possam ser objeto de ações judiciais para fornecimento pelo poder público.
A tramitação dos processos: Justiça Federal e Estadual
O STF também estabeleceu regras sobre onde os processos devem tramitar, dependendo do valor anual do tratamento:
- Justiça Federal: Para tratamentos com custo anual igual ou superior a 210 salários mínimos (aproximadamente R$ 296,5 mil). Nestes casos, a União arcará com o fornecimento do medicamento.
- Justiça Estadual: Para tratamentos com custo anual entre 7 e 210 salários mínimos (entre R$ 9.884 e R$ 296,5 mil).
Nos casos que tramitam na Justiça Estadual, se Estados e Municípios forem condenados, a União deverá ressarcir 65% das despesas com o fornecimento do medicamento. Para medicamentos oncológicos, esse percentual sobe para 80%.
O impacto da judicialização na saúde pública
A decisão do STF busca fazer frente à judicialização excessiva na área da saúde, que tem crescido significativamente nos últimos anos. De acordo com dados da Justiça, o número de novas ações judiciais por mês na área da saúde saltou de cerca de 21 mil em 2020 para 61 mil em 2024.
Esse aumento expressivo na judicialização pode comprometer o sistema de saúde como um todo, pois os recursos destinados a atender decisões judiciais individuais acabam sendo retirados do orçamento geral da saúde, que poderia beneficiar um número maior de pessoas.
A busca pelo equilíbrio entre direitos individuais e coletivos
A decisão do STF reflete uma tentativa de equilibrar o direito individual à saúde com a necessidade de manter um sistema de saúde sustentável e acessível a todos. Ao estabelecer critérios mais rigorosos para a concessão de medicamentos por via judicial, o Tribunal busca assegurar que os recursos públicos sejam utilizados de forma mais eficiente e equitativa.
No entanto, é importante ressaltar que essa decisão não fecha as portas da Justiça para aqueles que realmente necessitam de medicamentos não disponíveis no SUS. Ela apenas estabelece parâmetros mais claros e objetivos para avaliar essas demandas.
O papel dos planos de saúde
É importante notar que a decisão do STF não se aplica a casos envolvendo entidades privadas, como planos de saúde. Nesses casos, as regras para obtenção de medicamentos continuam sendo regidas por legislação específica e pelos contratos firmados entre as operadoras e os beneficiários.
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